Enquadramento Programa Resumos Notas biográficas Comissão Organizadora Contactos ×

O futuro da emancipação?
Igualdades, Diferenças, Limites

A passagem do século e do milénio, marcada logo no ano 2001, não pela prometida odisseia no espaço, mas pelo trauma de 11 de setembro, embaciou o conceito de emancipação que, desde o seu advento, se tornara central para a Modernidade, passando pela saída do homem da sua menoridade, a que Kant chamou Aufklärung, e pela emancipação humana que Marx opôs à emancipação política em A Questão judaica. Hoje, contudo, as respostas de emancipação do(s) século(s) passado(s), se procuravam fazer sair de um estado de maior desigualdade, ou discriminação, ou menorização, já não podem ser consideradas respostas realizadoras. Hoje, o crescimento das desigualdades tornou-se o denominador comum da economia global, comprometem-se solidariedades sociais e comunitárias, mesmo intergeracionais, compromete-se até o mundo natural, a sustentabilidade do planeta, e os fundamentalismos fazem do espaço público e da convivialidade uma mera construção social degradável. Hoje, quando se reconhece que a Modernidade está em crise é este seu motor ínsito que está em crise: a emancipação e a sua representação, as suas causas e a suas políticas concretas.

O que nos propomos neste colóquio é trazer à discussão, a partir deste contexto contemporâneo, o conceito de emancipação, perguntar pelo que permanece de emancipador na ideia de emancipação, identificar os seus mais prementes horizontes de verificação, pensar por que linhas pode pensar-se novas práticas de emancipação. Semelhante discussão releva tanto do pensamento filosófico, nomeadamente político e social, como da sociologia, da teoria social e das políticas sociais, razão por que nos propomos apresentar este colóquio na forma de uma co-organização entre o Núcleo de Filosofia Prática do LABCOM.IFP e o CIES, tanto pelo seu pólo da UBI, como pelo seu associado Observatório das Desigualdades.

Propõe-se que a discussão sobre a problemática contemporânea da emancipação, depois das questões conceptuais, se desdobre em três coordenadas: uma primeira, em torno da problemática das desigualdades e os seus muitos rostos; uma segunda, sobre o problema, cada vez mais tenso, das diferenças e da convivialidade; e, por fim, uma terceira dimensão que tenha em atenção os temas, cada vez mais prementes, dos limites que a existência e um mundo finitos impõem.

Programa

27 de Abril

Auditório do Museu dos Lanifícios
Universidade da Beira Interior

9:15

Abertura

Reitor
Presidente de Faculdade
Coordenador do LabCom.IFP
Coordenador do GFP
Coordenador do CIES

9:30

Conferência de Abertura
Moderação: José Manuel Santos

Anselm Jappe
(Escola de Belas Artes de Sassari)
From which master do we have to emancipate?

10:30

Perspectivas históricas
Moderação: António Bento

António Amaral
(Universidade da Beira Interior, LabCom.IFP)
Se os teares tecessem sozinhos... Arqueologia e figurações da emancipação em Aristóteles

Rui Tavares
(ISCTE-IUL, Centro de Estudos Internacionais)
‘Historia cosmopolítica’. Emancipação no «mundo de Cândido»

José Neves
(Universidade Nova de Lisboa, IHC)
Emancipação e história: como (não) usar o passado


Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (Anfiteatro 7.21)
Universidade da Beira Interior

15:00

Igualdades
Moderação: Nuno Miguel Augusto

Catarina Sales
(Universidade da Beira Interior, CIES)
Género: desigualdades e emancipações. Um processo (tudo) menos linear.

Renato Miguel do Carmo
(ISCTE-IUL/CIES, Observatório das Desigualdades)
Precariedade como desigualdade total: do diagnóstico às emancipações

Cristina Roldão
(ISCTE-IUL/CIES)
(In)visibilidades das desigualdades étnico-raciais em Portugal: retrato em números e impasses nas políticas

Luís Filipe Madeira
(Universidade da Beira Interior, LabCom.IFP)
A criminalização da violência emancipatória e suas consequências

28 de Abril

Auditório do Museu dos Lanifícios
Universidade da Beira Interior

10:00

Limites
Moderação: José Rosa

Teresa Amal
(Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais)
Limites do invisível e a infinita capacidade de reinventar o mundo:
Abundância, Sobriedade e Bem-Viver.

Olivier Feron
(Universidade de Évora, LabCom.IFP)
Da dispensabilidade da emancipação (ou a ilusão pós-moderna)

André Barata
(Universidade da Beira Interior, LabCom.IFP)
Por um futuro emancipatório do rendimento, trabalho e propriedade

Ananda Kalyani
Apresentação da Master Unit (Unidade Mestre)


Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (Anfiteatro 7.21)
Universidade da Beira Interior

14:30

Diferenças
Moderação: Maria Luísa Branco

Alcides Monteiro
(Universidade da Beira Interior, CIES)
Emancipação e o poder da aprendizagem

Maria João Cabrita
(Universidade da Beira Interior, LabCom.IFP)
Injustiça intergeracional: a perpetuação da menoridade

Bruno Peixe Dias
(Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa)
Identidade, diferença, antagonismo: notas sobre a querela do universalismo em política

17:00

Conferência de Encerramento
Moderação: José Venâncio

Stefan Gandler
(Autónoma de México)
La dialéctica relación entre igualdad y diferencia.
Límites de la emancipación en la actual forma social

Resumos


Alcides Monteiro

(Universidade da Beira Interior, CIES)
Emancipação e o poder da aprendizagem

Educación para la emancipación, coletânea de conferências e conversas entre Theodor W. Adorno e Hellmut Becker, e Educar para Emancipar, livro no qual Hugues Lenoir analisa a importância dada pelo sindicalismo à educação como instrumento poderoso de emancipação, são dois exemplos da relevância conferida à relação (de mútua interpelação) entre essas duas realidades. No contexto das sociedades da modernidade tardia, em que à luta de classes e à afirmação da emancipação coletiva se têm contraposto a fragilização das estruturas de regulação, a perda de certezas coletivas e a compulsão para o individualismo, a relação entre a educação / aprendizagem e a possibilidade da emancipação carecem de reanálise. E às quais o sistema educativo formal, imbuído amiúde de funções reprodutoras e homogeneizadoras, não consegue dar respostas cabais. No pressuposto de que as limitações de modelos-guia não podem ser superadas pela adoção de novos modelos (Becker), propomo-nos discutir o modo como, mais além da educação e incluindo-a, a aprendizagem (nas suas variadas componentes e ao longo da vida) pode desenhar-se como veículo de conscientização e de emancipação.


Ananda Kalyani

Apresentação da Master Unit (Unidade Mestre)

A Master Unit Ananda Kalyani é um projeto de desenvolvimento multidimensional organizado por uma equipa internacional de diversas origens e competências. O seu objetivo principal é desenvolver um modelo de vida sustentável como resposta aos desafios sociais, económicos e ambientais modernos bem como facilitar o desenvolvimento de outros projectos sustentáveis nas zonas circundantes.. Com o seu núcleo situado numa comunidade rural no centro de Portugal, perto da Reserva Natural da Serra da Estrela, o projecto está a ser desenvolvido utilizando as mais recentes metodologias científicas de produção agrícola, materiais ecológicos e bio-arquitectura, fontes de energia renováveis, incluindo a gestão de florestas e sistemas de tratamento de água e resíduos.


André Barata

(Universidade da Beira Interior, LabCom.IFP)
Por um futuro emancipatório do rendimento, trabalho e propriedade

Procurando desimplicar, contra uma tradição emancipatória marxiana, as noções de trabalho e valor, bem como a noção de exploração do trabalho e a crítica do capitalismo, desenvolveremos uma reflexão sobre os agenciamentos emancipatórios que devem animar uma recomposição das relações e interdependências entre rendimento, trabalho e propriedade.


Anselm Jappe

(Escola de Belas Artes de Sassari)
From which master do we have to emancipate?

The concept of “emancipation” has now largely replaced the concept of « revolution ». Emancipation means to be no longer the slave of a master. But who could be today the masters from which we have to emancipate? Can the oppressing force be identified which specific human groups, be them the owners of the means of production or the white heterosexual men? Or do we have to look beyond these “masques”, as Marx called them, and put into question the whole commodity fetishism and the “automatic subject” it produces? Can we say that the capitalist logic of value, commodity, money and abstract labour melted with the technological automatism into a “mega machine” which pretends to be beyond every possibility of substantial change, assuming the shape of “market necessities”, “technological imperatives”, “unstoppable progress”? Don’t we have to emancipate mainly from what pretends to be natural but is social? And where could we start?


António Amaral

(Universidade da Beira Interior, LabCom.IFP)
Se os teares tecessem sozinhos... Arqueologia e figurações da emancipação em Aristóteles

Emancipação e autonomia constituem, na sua interdependência, dois dos vectores que mais nitidamente espelham o auto-centramento da razão na modernidade: eis uma evidência a que ninguém ocorrerá contestar. Todavia, a narrativa segundo a qual a luminosa autonomia de que um sujeito se apropria – no duplo sentido de se apossar dela tomando-a “para-si-mesmo” e de a interiorizar como sua fazendo-a “própria-de-si” – pela libertação de um poder percepcionado como ordenador, coercivo, direccionante, referencial ou tutelar, não nos deve dispensar de interrogar filosoficamente os pressupostos a partir dos quais se torna possível esclarecer a eficácia discursiva de um acto emancipatório, independentemente do horizonte histórico-cultural em que se plasma e do ecossistema jurídico-político e sócio-económico ao qual reage e em vista do qual se projecta. Ora, seja qual for a perspectiva de abordagem adoptada, o acto mediante o qual alguém é libertado ou se liberta (aporia não imediatamente perceptível e solúvel) encerra uma desafiante ambivalência: trata-se de “fugir-da-mão” de alguém para escapar da ameaça de um servil e alienado estado de subjugação, ou, por outro lado, de “abrir-mão” a alguém para lhe proporcionar a inquietante oportunidade e o belo risco de uma auto-realização? Convém lembrar, a propósito, que, de um ponto de vista etimológico, o termo latino “e(x)-manu-capere” [i.e. “deixar de ter na mão” = “abrir mão”] designa no direito romano a figura jurídica pela qual se valida e legitima o acto de tornar livre alguém – descendente ou escravo – abrindo-lhe a possibilidade de se auto-determinar de acordo com as suas próprias capacidades e arbítrio. Mas não é tudo: se ousarmos apurar o ponto focal de análise para obter uma profundidade de campo temporal mais ampla e enriquecida, não deixa de ser surpreendente encontrar num pensador como Aristóteles não só uma original teorização emancipatória da escravatura, como ainda um conjunto de disposições testamentárias com o intuito de promover a emancipação de um considerável número de escravos, isto para não falar das indicações explícitas quer no respeitante à mulher com quem se uniu logo após a morte da que com ele esteve legalmente casada, quer inclusive no respeitante ao filho nascido dessa relação pós e extraconjugal, situação que, em ambos os casos, o sistema legal vigente desprotegia em termos de direitos à transmissão sucessória de bens patrimoniais. Procurando desmistificar, por conseguinte, alguns clichés que alimentam ainda hoje o imaginário social acerca dos dispositivos que, na Grécia antiga, promoviam e perpetuavam massivamente uma desumana opressão dos escravos e uma desqualificante subjugação da mulher, a presente comunicação não pretende, como é óbvio, branquear, nem tão-pouco absolver, o quadro histórico das práticas sociais genericamente disseminadas na antiguidade, mas tão-só contribuir com uma informal chamada de atenção para uma arqueologia da emancipação que antecede em larga escala os limites e os critérios fixados a partir da modernidade em benefício da sua auto-interpretação, lançando mão para o efeito da posição dissonante e não-convencional de um insigne filósofo grego para quem o cultivo individual da virtude em vista de um aperfeiçoamento moral da acção não se encontra de forma alguma desvinculado de uma ética da responsabilidade relacional atenta às múltiplas fisionomias sociais da vulnerabilidade.


Bruno Peixe Dias

(Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa)
Identidade, diferença, antagonismo: notas sobre a querela do universalismo em política

Chamamos querela do universalismo em política a um dos pontos de tensão mais recorrentes nas discussões políticas – tanto a nível teórico como ao nível das políticas estatais e da acção colectiva – das duas últimas décadas. Argumentaremos que esta tensão está presente não apenas quando é explicitamente tomada como pomo da discórdia – como, por exemplo, na oposição recorrente entre formas políticas que se pretendem de alcance universal e as chamadas políticas de identidade, mas também em debates onde a questão do universalismo não é tematizada de forma directa.
Se nas últimas décadas do século XX prevaleceu a desconstrução do sujeito universal masculino branco e europeu como protagonista idealizado dos processos políticos assistiu-se, em contraponto, no início do século XX, à emergência de uma série de propostas teórico-políticas de carácter universalista que, procurando incorporar as críticas identitárias, visavam ultrapassá-las procurando repensar um sujeito da política universal, isto é, sem predicados identitários particulares. Alain Badiou e Jacques Rancière são alguns dos nomes próprios que podemos associar a estas propostas a que se deve juntar uma nova vitalidade, e visibilidade, de vários marxismos.
Argumentaremos que a crise do capitalismo global de 2008 veio de novo por em causa os dados a partir dos quais esta questão pode ser discutida, à medida que se tornam visíveis as linhas de divisão (raciais, de classe, de género, nacionais e outras) através das quais a crise se faz sentir. Procuraremos discutir, neste quadro, as propostas de refundação do universalismo provenientes de dois autores que procuram incorporar na sua noção de universalismo a desconstrução do universal e a valorizção da diferença: Antonio Negri e Étienne Balibar. Embora de modos diferentes cada um procura, a seu modo, conceber o universal fora de um quadro de generalidade e de busca de consenso, colocando-o antes do lado do antagonismo e do conflito. Tentaremos mostrar que ambas as propostas assentam numa concepção necessariamente deflacionada do que pode ser o projecto de emancipação.


Catarina Sales

(Universidade da Beira Interior, CIES)
Género: desigualdades e emancipações. Um processo (tudo) menos linear

A despeito das profundas mudanças sociais dos últimos cem anos, o género permanece como fator de desigualdade encerrando em si múltiplas assimetrias, nomeadamente entre os países ou regiões em que a igualdade de género é uma prioridade de ação e outros contextos locais em que as oportunidades e representações de homens e mulheres são agressivamente desiguais. O movimento feminista, não obstante a sua complexidade de tendências e visões, procurou sempre contestar o status quo e empoderar as mulheres, contudo só mais recentemente se tem problematizado as questões da diferença, da igualdade e da cidadania compreendendo e integrando a diversidade das vivências individuais. De uma perspetiva feminista interseccional e dando conta da diversidade de recortes envolvidos nos sistemas de dominação procuraremos nesta comunicação refletir sobre os caminhos da emancipação de género e o processo de criação de um “espaço de visibilidade para as mulheres como indivíduos e como atores coletivos” (Song, 2006:193).


Cristina Roldão

(ISCTE-IUL/CIES)
(In)visibilidades das desigualdades étnico-raciais em Portugal: retrato em números e impasses nas políticas

O que nos dizem as estatísticas oficiais sobre as desigualdades étnico-raciais e racismo em Portugal? Dizem-nos, pelo menos, três coisas que propomos discutir. A primeira remete para a própria ausência desse tipo de recolha e a necessidade de um debate públio e político sobre a relevância, os riscos e condições desse tipo de recolha. Nos últimos anos, a resposta institucional a reivindicações de movimentos sociais e recomendações internacionais tem-se orientado para o argumento da inconstitucionalidade, ao mesmo tempo que, contraditoriamente, permencem práticas institucionais de registo desse tipo de informação.
A segunda é que, apesar da inexistência dessa recolha, existem dados proxy (naturalidade, mas sobretudo, nacionalidade) que apontam para fortes desigualdades no acesso a direitos básicos como aqueles no domínio da educação, emprego e trabalho, justiça, habitação entre nacionais dos PALOP e portugueses, por exemplo. Sendo informação recolhida através proxys muito cingidas às questões das migrações, está-se longe de um retrato completo dessas desigualdades. Como dar conta dos desafios específicos dos portugueses negros e ciganos, por exemplo? Por fim, qual o contributo das ciências sociais, designadamente da sociologia, para o debate sobre a recolha sistemática de dados étnico-raciais, para a análise dessas desigualdades e para a sua problematização enquanto processos histórico-estruturais que penetram as instituições, e que ultrapassam a “intolerância” individual?


José Neves

(Universidade Nova de Lisboa, IHC)
Emancipação e história: como (não) usar o passado

De que modo podemos estabelecer uma relação emancipatória com os legados opressivos que a história nos tem para oferecer? A partir de uma discussão sobre a forma de expor duas obras artísticas (Vista da Rua Nova dos Mercadores: Rua Nova dos Ferros com a esquina do Largo do Pelourinho Velho, de autor desconhecido, e O Almoço do Trolha, de Júlio Pomar), esta comunicação pretende, por um lado, discutir questões de “raça”, classe e género associadas à história de Portugal, por outro, equacionar limites e oportunidades de estratégias memorialistas.


Luís Filipe Madeira

(Universidade da Beira Interior, LabCom.IFP)
A criminalização da violência emancipatória e suas consequências

Dada a proliferação das condutas visadas pela mais recente legislação antiterrorista europeia e, designadamente, o agravamento da moldura penal aplicável a infrações terroristas, o carácter infamante que encerra a acusação ou a condenação pela prática de atos terroristas e a natureza letal de boa parte das ações empreendidas pelas forças policiais ou militares com o intuito de apreender suspeitos de terrorismo, o modelo de análise dito das escolhas racionais revela-se cada vez mais inadequado a inteligir e a explicar o recurso a ações ilegais politicamente motivadas, por parte de movimentos sociais, no seio das democracias liberais.
Acresce que o alargamento do conceito de terrorismo e o consequente esvaziamento do estatuto acordado à infração política são sintomas de uma patologia corrosiva da democraticidade do sistema político. Considerando que, apesar de ilegais e, por vezes, criminosas, nem todas as infrações políticas têm uma natureza terrorista, é imperativo reconhecer a especificidade da infração política e garantir que esta possa continuar a desempenhar funções que são indispensáveis ao ajustamento dinâmico das sociedades democráticas.


Maria João Cabrita

(Universidade da Beira Interior, LabCom.IFP)
Injustiça intergeracional: a perpetuação da menoridade

Hoje as sociedades democratas ocidentais estão sujeitas a influxos e poderes que extravasam as suas fronteiras físicas, culturais e históricas, que destabilizam as suas estruturas básicas, os seus alicerces institucionais; e, consequentemente, atalham a emancipação das novas gerações. Agrilhoadas a várias obsessões - como a do desenvolvimento incessante da economia que sacrifica a maioria da população à precariedade, pobreza e exclusão, descora a comensurabilidade dos recursos naturais e a deterioração ambiental – e arbitrariedades morais que, tácitas às suas políticas sociais, minam a dignidade humana, as sociedades democratas ocidentais entraram em colisão com a base da sua estabilidade: a conciliação entre indivíduo e comunidade. Neste contexto de crise existencial, a falta de expectativas dos jovens é tão gritante que estes arriscam permanecer na menoridade muito para além do que é desejável, a usufruírem de um valor mínimo das liberdades autenticadas aos membros da sociedade. Resta saber se, uma vez obstruída a sua emancipação enquanto pessoas, os jovens de hoje lograrão assumir-se algum dia como cidadãos plenos.
Com o intuito de analisar o vínculo entre justiça intergeracional e emancipação das novas gerações terei por moldura teórica o liberalismo igualitário rawlsiano. Nos termos desta teoria, “a cada geração cabe não só salvaguardar os ganhos de cultura e civilização e manter intactas as instituições justas estabelecidas, mas também pôr de lado uma quantidade adequada de acumulação real” (Rawls, 1971: 252). Esta poupança assume várias formas - investimento líquido em maquinaria e outros meios de produção, investimento no saber e na educação, etc – e permite às gerações seguintes usufruírem de uma vida melhor numa sociedade mais justa. Neste sentido, uma vez que se disponha de um princípio de poupança justa determinar-se o nível do mínimo social. É imperativo que os benefícios da geração presente não ceifem o bem-estar da geração futura, pois uma sociedade em que os sujeitos tiram partido da sua situação no tempo em prol dos seus interesses é por definição injusta.


Olivier Feron

(Universidade de Évora, LabCom.IFP)
Da dispensabilidade da emancipação (ou a ilusão pós-moderna)


Renato Miguel do Carmo

(ISCTE-IUL/CIES, Observatório das Desigualdades)
Precariedade como desigualdade total: do diagnóstico às emancipações

A persistência da condição de precariedade laboral não significa somente uma situação vulnerável resultante da acumulação e circulação pelas mais variadas e efémeras modalidades de contratação irregular (contratos a termo, recibos verdes, estágios, bolsas…), assentes na desproteção social e na absoluta incerteza face ao futuro. A precariedade tende a extravasar o âmbito laboral e interfere nos mais diversos setores da vida social e pessoal do indivíduo. Esta atinge um conjunto de dimensões que remetem para profundas formas de desigualdade social.
Assim, para além do acesso limitado a rendimento, a condição precária afeta profundamente as dimensões existenciais e vitais: a falta de futuro corrói a estabilidade e a segurança da vida pessoal e subjetiva. O tempo é vivido em constante fragmentação no decorrer do qual quase tudo se encontra a prazo, incluindo as relações sociais e afetivas. Esta transforma-se num modo de vida que atinge a totalidade do indivíduo. Uma totalidade para a qual convergem e culminam vários tipos de desigualdade que comprometem um conjunto de direitos sociais e cívicos. Esta comunicação debruçar-se-á sobre estas diferentes dimensões da precariedade.


Rui Tavares

(ISCTE-IUL, Centro de Estudos Internacionais)
‘Historia cosmopolítica’. Emancipação no «mundo de Cândido»

Confrontemos duas versões da emancipação iluminista. Numa delas, de origem kantiana, a emancipação corresponde ao momento em que a humanidade, motivada apenas pela ousadia de querer saber, e tolhida apenas pelo medo ou pela preguiça, sai da menoridade a que se encontra sujeita pelas tutelas (políticas, religiosas, ou outras) que sobre ela se exercem. Noutra versão da emancipação, celebrizada por Voltaire, a emancipação dá-se contra-vontade: em “Cândido, ou o otimismo”, o protagonista deste conto filosófico é expulso do castelo em que se encontra não porque deseje romper com a tutela a que está sujeito, mas porque o seu soberano decide desfazer-se dele. O ponto de partida desta apresentação será o de que a estas duas versões da emancipação correspondem duas versões da modernidade: uma linear e compreensível, a outra caótica e refractária ao sentido. Acompanharemos os caminhos destas duas visões de uma mesma modernidade, do século XVIII até à sua intercepção no mais singular teste emancipatório da humanidade: o desafio cosmopolítico.


Stefan Gandler

(Autónoma de México)
La dialéctica relación entre igualdad y diferencia.
Límites de la emancipación en la actual forma social

Los conceptos de diferencia e identidad tienen el mismo origen histórico y lógico que el concepto de igualdad, con el cual polemizan, a saber: el pensamiento ilustrado, la cultura liberal, la sociedad burguesa y la forma de reproducción capitalista. El individualismo burgués se desarrolla exactamente en el momento, en el que se pierden las diferencias reales entre distintas regiones, culturas etcétera, por la aplastante masificación de todas las relaciones sociales y sus sujetos.
La forma de reproducción capitalista se basa necesariamente en el doble juego de la igualdad –que se expresa en el valor o valor de cambio y el carácter social de la producción y los productores– por un lado y la desigualdad, es decir diferencia –que se expresa en el valor de uso y en el carácter privado de la producción y los producentes– por otro lado. Es decir: el doble carácter de la mercancía y de sus productores es la unidad de igualdad y diferencia, o en otras palabras, la unidad de identidad y no-identidad, que es la base de toda la formación social actualmente existente y de los límites para la emancipación humana que experimentamos.


Teresa Amal

(Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais)
Limites do invisível e a infinita capacidade de reinventar o mundo:
Abundância, Sobriedade e Bem-Viver

Se o meu ponto de partida teórico é uma leitura feminista das Epistemologias do Sul de Boaventura de Sousa Santos, o meu pretexto analítico é a narrativa da ‘crise’ que, desde 2008, pretende explicar e justificar quase tudo. Os termos em que as razões e as consequências da actual crise financeira global estão a ser impostos pela hegemonia dos media que servem o sistema capitalista à escala planetária destituem por um lado, racionalidades rivais e, por outro, lançam um manto de encobrimento sobre dissensos, resistências e alternativas. Não se pode, de facto, negligenciar que temos vindo a enfrentar uma concentração de riqueza, sem precedentes, por expropriação que parece não querer deixar nada de fora. Não são só as fontes energéticas e os recursos naturais que estão sob a pressão da acumulação. São também as espiritualidades, as memórias, as culturas, as identidades e os afectos que estão sob risco de se transformarem em meras mercadorias. Argumento que está em marcha uma guerra global pela desintegração da dignidade através da violência bélica, pelo epistemicídio e pelo cerco económico e financeiro que condena à miséria a maioria das pessoas do mundo.
Contudo, e para além de todas as tragédias que estão a ocorrer, outras realidades existem e estão a operar nos interstícios da crise para falarem dela de outra maneira, lhe fazerem face e construir modos de resistência e alternativas, tanto tácticas quanto estratégicas. Se o nosso olhar analítico se aproximar com redobrada atenção poder-se-ão distinguir movimentos, projectos, iniciativas, pluriversais, em diferentes escalas e com diversos objectivos e resultados. São sociabilidades irreverentes que pretendem preservar as memórias democráticas, práticas e atmosferas de participação, alimentar a força do colectivo sem diluir a pessoa nele e tantas outras formas de emancipação situada, individual e colectiva. Pode-se argumentar que estas sociabilidades desobedientes ou simplesmente outras, não se apresentam de forma cristalina, são parciais, estão incompletas, são muitas vezes inorgânicas e, muitas vezes, não conseguimos compreender se elas têm o potencial transformador necessário para levar a cabo um outro paradigma civilizacional. Concordo e partilho esta precaução analítica e teórica. Elas não são respostas fechadas e completas nem pretendem sê-lo; elas comportam-se de maneira ambígua, é certo. Contudo, o que é mais interessante é pensar como essas alternativas incrustadas no social desafiam limites impostos, cuidam de finitudes vitais sem desperdiçar conhecimentos na construção da maximização da justiça para todas as criaturas, humanas e não-humanas. Esta palestra está dividida em três partes. Na primeira faço algumas reflexões epistemológicas e na segunda incluo alguns apontamento de ordem metodológica. Na terceira parte, reflicto e discuto como várias experiências no campo de economias não-capitalistas nos possibilitam pensar finitudes e emancipações através de duas teses centrais: todo o trabalho é produtivo, e as economias para Bem-Viver são economias de abundância e de sobriedade.

Notas Biográficas

(Brevemente)




Comissão Organizadora


André Barata
Catarina Sales
Renato Miguel do Carmo
Alcides Monteiro
António Amaral
Luís Madeira

Contactos

Localização

Universidade da Beira Interior

Faculdade de Artes e Letras
Rua Marquês D'Ávila e Bolama
6201-001 Covilhã

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Estrada do Sineiro, s/n
6200-209 Covilhã

Telefone
(+351) 275 242 023 / ext. 1201
(+351) 275 241 509 / ext. 4209